quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Rotina

Um dia novo começava e ela carregava na mochila os restos da noite e do dia anteriores. O horário de verão era impeditivo para a sensação de alvorecer. Sete horas era quase noite ainda e os pássaros e os cachorrinhos da vizinhança pareciam também não aderir às regulamentações oficiais.

Um turbilhão de pensamentos negativos maculavam a consciência que deveria estar tabulamente rasa nesta hora do dia. Era a mãe com sua encheção de saco, as pendências do trabalho, as pressões das tarefas que se seguiriam.

aconchego, tranquilidade, conforto, paz, crescimento espiritual, desejo de mudança, novidades, amizade, companheirismo, calor, diminuir barriga. exercícios, frescor, renovação.

Nada como uma boa corridinha para parir o parágrafo anterior.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Deixando Belfast

Malas prontas, quarto arrumado. ¬As nove horas devo sair de casa. A casinha aconhegante, como de brinquedo, um pouco fria. D'a vontade de ficar horas na sala, curtindo a lareira e ouvindo a filha contar as desaventuras do Candido com sua Cunegundes, entremeando com alguns cochilos e despertares assustados.
Ainda bem que a pasta de tamarindo nao fez tanto efeito assim, porque iria me complicar com tantos traslados possiveis.
La vamos nos. Nao quis bater na porta da sala, porque o casal estava la. Deviam estar dormindo muito romanticamente naquele ambiente aquecido, tendo o branco na rua, sobre os carros, sobre as 'arvores. Nossa Snowland. Assim estava Belfast exatamente como descreveu James Joyce no conto "Os Mortos". Belfast e toda a Irlanda, como pude constatar depois na viagem de tres horas no Eirean Bus at'e Dublin.
A filha acordou apressada. Ah, papai, meu despertador nao tocou.
Tudo bem, filhona. Vou sair sem seu caf'e. Mas fui presenteado com uma matula de lanches de viagem. Confesso que relutei. Nao queria passar por caipira carregando tanta comida. Banana estraga e d'a mau h'alito. Os biscoitos eram ardidos. Cheios de gengibre. E a barra de cereais? alimenta, mas 'e chato. Nada mais providencial para quem iria gastar tanto tempo num onibus e num aeroporto superlotado.
Obrigado, filhona. Valeu.
Valeram as l'agrimas que a custo eu tentei segurar. At'e que as suas contagiaram as minhas naquela estacao gelada.
Vi voces dois deixarem a estacao antes do onibus partir. Gosto dessa melancolica e reconfortante cena. Melhor assim.
Fui bravo e entrei no onibus. Preferi nao ficar pensando que iria deixa-los e segui em frente.
Fui surpreendido pela nevasca. O onibus se arrastava e parava em diversos pontos. Parecia uma van. Ainda bem que o motorista foi sincero comigo. Eu perguntei se o onibus iria direto para o aeroporto de Dublin e ele disse que nao. So que eu nao queria saber disso. Queria saber se ele iria mesmo para Dublin.
A viagem nao foi tao penosa porque me diverti com os joguinhos no celular, com a matula e com uma curiosidade ou outra que eu descobria na paisagem monotona. Descobri que a neve 'e cinza e preta ao cair e fica branca depois. Ou seria so minha neve? Os oculos estavam embacados e as janelas sujas de lama. Os passageiros, como as gentes do hemisferio norte, andam sisudas e nao falam nada. A etiqueta parece nao exigir que se peca licenca ao se sentar ao lado, nem mesmo dizer bom-dia.
Bem que tentei cumprimentar alguem, mas nao fui correspondido. Bem feito pra mim. Da proxima vez, insistirei, como faco sempre em Brasilia.
Amarguei uma hora e meia na fila da BMI, ate receber os cumprimentos mais amaveis e as explicacoes mais inocuas acerca de meu voo. A atendente ainda teve a coragem de me perguntar sobre o que me deixaria mais feliz. Nao quis perder tempo com as minhas respostas divertidas de sempre porque havia um mundo de gente atr'as de mim. Nao tao nervosos como os brasileiros ficam nessas situacoes, mas algo tensos. Presenciei apenas um discutindo com um funcionario da BMI, que respondeu, como sempre, que a culpa nao era dele nem da empresa, e sim de Sao Pedro. Nada mais coerente em um pa'iscat'olico.
Tentei contato com o Visa Infinite e o Dinersclub. Nada feito. A parte que me irritou mais foi o do Visa, que tinha o telefone impresso errado em meu cartao. Gastei uma chamada a toa para o Brasil. Queria acionar o seguro-viagem.
Liguei para alguns hoteis e fiquei assustado com os valores das diarias. Parece que estao fazendo a maior farra com o cancelamento dos voos para Londres. Optei pelo Marriott. Amarguei quarenta minutos no frio, esperando o motorista polones que me conduziu marcialmente ate o hotel. Achei que ele nao viria mais. So ao chegar no meu destino luxuoso 'e que me dei conta da distancia ate o aeroporto.
A diaria ate que nao foi m'a, levando em conta a academia, a piscina, a sauna, os restaurantes, as instalacoes, ufa! estou em ferias.
E nao estou certo se amanha voltarei ao Brasil. Ou melhor. A Londres. A Lisboa. Ao Rio de Janeiro. a Brasilia.
Um conselho eu vendo: Na proxima vez que quiser ver seus filhos reunidos, melhor pagar uma passagem para o verao no Brasil do que hibernar no hemisferio norte em dezembro.
Mas esta sendo divertido, e isto 'e que conta.
Estou me sentindo so, e a Internet me ajuda.
O que acontecera quando os chineses lotarem o mundo, os aeroportos, os hoteis? Cuidado. Os chineses estao vindo!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fotografia de um deja-vu (sem acento)

A fotografia do pátio mostrava luzes coloridas cortadas por flocos de neve. Displicentes.
Aos olhos, somente neblina e luzes tímidas. Abóbora, verdes, azuis, amarelas. Ora, ora...
Saudade e tristeza. Saudade será sempre triste? As ruas tinham um que (com acento) familiar. Naquela zona a (tem crase) noite com passos firmes indo nao-sei-pra-onde-encontrar-nao-sei-quem.
Os taxis pretos, antigas testemunhas de uma era violenta, tambem estavam a espreita, conspirando contra a memoria. Frankenstein, Sherlock Holmes. Malditos autores e diretores. Atores favoritos polvilhando na densidade de lembrancas de outros personagens.
Apropriacao de Oscar Wilde, Mr Hide, Dr Jeckyl, Robert Louis Stevenson, Daniel Defoe, os escoceses, os irlandeses, os britanicos todos. Conspiradores, fazedores de mente, adensadores.
Nenhuma reencarnacao e possivel. É proibido chorar por vidas passadas?
Nao ha uma so vida. Nao ha mais que uma vida.
Despedida sem pensar ter existido aqui. Todo lugar é sempre assim. Relutancia em sair de lá. Receio de chegar, titubear, resistencia de partir.
Partir tem um jeito triste. Criacao de raizes. Adensamento.
Os rostos, as roupas, os corpos, os olhares, os cheiros, as conversas cortadas, as sobras, os flashes, o frio. Novas historias que se incorporam as antigas, gerando fatos ou mentiras contadas a rodo. Ou novas verdades se reinventando.
A velhice e o cansaco de revisar lembrancas em cinco dimensoes.
O diabo e que as interrogacoes e os entre-parentesis estao denunciando a inseguranca e as incertezas.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Good-bye is all we have.

Good-bye is all you have. Good-bye. Bom modo de iniciar uma comunicacao. Sem cedilhas ou acentos, porque encontro-me em Belfast, e, embora esteja ao computador da filha minha, é terra estrangeira, e muita coisa aqui parece diferente.
Parece estranha demais. Nao sei onde estou. Se no Reino Unido... por que sao irlandeses? se na Irlanda... por que sao tao ingleses? E há uma estranha divisao de bairros aqui. Uns protestantes, outros catolicos. Parece a mesma que vejo no Brasil. Uns neo-pentecostais, uns-nada. Uns ricos, uns pobres. Uns que insistem em ser coisa que nao sao. Outros que tem medo de deixar de ser o que estao.
Os carros rodam a inglesa. Fico tonto. Para onde olho? A direita? náo. agora deves olhar para a esquerda. E o cruzamento é em x.
Na minha terra, tenho que olhar para todos os lados. Corro o risco de ser assaltado.
Os precos sao otimos. Nem parece que estou na Europa. Comprei oito camisas, iguaizinhas aquelas que uso no dia-a-dia, aquelas das quais quero me livrar com urgencia daqui a tres ou cinco anos, quando me aposentar. Por apenas o equivalente a quinze reais cada. Sera o suficiente para me safar dos shoppings brasilienses por um ano. Estou na feira do Paraguai inglesa
Eu me alimento bem. Pago menos de quinze reais por uma comida que, na minha terra, pareceria requintada. Sem suspeitas de saliva esvoacante. Estranha terra onde as pessoas elegantes transitam entre as pessoas elegantes sem parecerem querer ser elegantes.
Ha uma indiferenca total ao que lhes cerca. Aos murals, as pichacoes, aos taxis de cor difererente que circulam so no bairro catolico. A historia. Como seria se se sensibilizassem? ssss... Como seria se nos sensibilizassemos com nossa realidade social? ssss...
O frio nao foi tanto quanto esperado. Os jornais ingleses e do resto do mundo falam do sofrimento dos britanicos neste inverno cheio de neve. Tambem estampam as imagens das tragedias das chuvas brasileiras, com suas dezenas de mortos. Como todos os anos.
Estou longe e estou perto. Olho para o diferente e comparo com o rotineiro. Estou aqui e estou sempre aqui. Viajo para aeroportos distantes, para imigracoes parecidas. O mundo tenta me colocar no lugar em que estou. No terceiro mundo. E a historia com aga maiusculo. Melhor pensar diferente. Nao sou eu. Sao as condicoes do mundo de hoje, com seus terroristas islamicos, com sua alcaeda, com seus malucos. Sao os imigrantes morenos, que nao falam ingles, forcando a barra para uma vida melhor. Para mandar dinheiro para o Brasil. Como os irlandeses faziam anos atras, fugindo da falta de batata, do frio, das fronteiras fechadas, do curral, dos sub-empregos, dos outros bebedores de chá, com seus sotaques, chegando a portos diferentes, a outras imigracoes.
Nao sou eu. Nao somos nos. Sao sempre eles, os que ameacam, que impoem barreiras, os estranhos, que nos olham como estranhos.
Todos sao estranhos e buscam semelhancas, ~cobija~, como diria em espanhol. Buscamos um lar onde estamos. Aconchego num mundo muito frio, nevado, com lobos uivando ao longe. Aconchego para nao lembrar que somos ovelhas tentando ficar proximas para fugir da fome, do frio e do predador.
Sou forcado a publicar por livre e espontanea pressao. Ou por pura tentacao.